Uma visão geral da usucapião extrajudicial com a modificação introduzida pela lei 14.382/22 – Migalhas

Atualmente, vivemos um momento em que o Poder Judiciário sofre com a sobrecarga do número de processos – foram mais de 114,5 milhões em 2020 -, decorrentes principalmente pelo vertinogoso aumento do número de novos direitos criados a partir da Constituição de 1988 e da própria população. Ao mesmo tempo em que contamos com um número reduzido de magistrados, estima-se que cada juiz tem uma carga de 1.679 processos, fazendo com que esse Poder não consiga atender de forma eficaz a todas as demandas que lhe são dirigidas.

Esse problema, que acomete o Poder Judiciário, foi objeto do Livro “A Era dos Direitos”, de Noberto Bobbio. Em seu livro, Bobbio explica, de forma clara e objetiva, que essa incapacidade do Poder Judiciário é forjada exatamente na perversa equação que prevê uma progressão geométrica dos direitos tutelados, bem como da população e aritmética do número de magistrados. Como se percebe, trata-se de um problema de difícil solução e atinge a todos. Isso implica dizer que a morosidade, o alto custo e a imprevisibilidade das decisões judiciais são problemas mundiais.

Chegando à mesma conclusão, Boaventura de Sousa Santos, no seu livro “Introdução à Sociologia da Administração Pública”, discorre sobre o fenômeno da explosão da litigiosidade, que consiste, em apertada síntese, na distância abissal existente entre a realidade das normas jurídicas (muitas vezes utópicas) e na realidade vivida pelas pessoas, principalmente, as menos favorecidas economicamente.

Com o intuito de solucionar esse imbróglio, ou ao menos minimizá-lo, iniciou-se um movimento que tem como escopo transferir para os serviços notariais todas as questões que não envolvam litigiosidade e, em alguns casos, como o da mediação e da arbitragem, presente na litigiosidade, entre partes maiores e capazes. Na verdade, não se trata de subtração ou mera transferência, mas, sim, de um compartilhamento com toda a sociedade pela responsabilidade por esse número estratosférico de ações judiciais.

Com vistas a esse imprescindível compartilhamento e, por consequência, a efetividade da Justiça, o Código de Processo Civil, no seu art. 1.071, possibilitou o reconhecimento da usucapião extrajudicial, diretamente no registro imobiliário competente.

Ressalte-se que, antes mesmo do novo Código de Processo Civil, nosso ordenamento jurídico já previa a possibilidade da usucapião extrajudicial, por meio da lei 11.997/09 (PMCMV), que trata do tema da regularização fundiária, dividindo-a em duas formas: a de interesse social e a de interesse específico, conferindo ao ocupante do lote regularizado o título de legitimação de posse, que será passível de registro, vide 41, inc. I, do art. 167, da lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos). E, uma vez registrado o título de legitimação de posse, após cinco anos, este será convertido em propriedade. Além da usucapião extrajudicial, prevista no Código de Processo Civil, vamos encontrar a usucapião administrativa de bens públicos, prevista na lei 11.481/07 – que prevê medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis da União, criando o instituto da concessão de uso especial para fins de moradia e a concessão especial coletiva de uso para fins de moradia; e na lei 13.465/17, que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, prevendo os institutos da legitimação fundiária e da legitimação de posse.

Fora isso, a lei 13.465/17 instituiu o direito de laje como direito real, previsto no inciso XIII, do art. 1.225, do Código Civil brasileiro.

Por seu turno, o problema da falta de moradia e o comando constitucional que elevou o direito à moradia à condição de direito social, após a Emenda Constitucional 26/00; o princípio da função social da propriedade (teorias subjetiva, objetiva e sociológica da posse), da função social da posse, da função social da cidade (art. 182, da CF/88) e do sobreprincípio da dignidade da pessoa humana (inciso III, do art. 1º, da CF/88), certamente, foram os fatores determinantes que impulsionaram o legislador a rever e a conferir prioridade ao instituto da usucapião.

Acrescente-se, ainda, que a celeridade do procedimento não beneficiará apenas o cidadão, à medida que a regularização imobiliária implica relevante meio de incremento na arrecadação de receitas municipais e estaduais, decorrentes da cobrança de tributos, como, por exemplo, o imposto predial urbano (IPTU), imposto de transmissão inter vivos (ITBI) e do imposto de doação e causa mortis (ITCMD), favorecendo diretamente a Administração Pública, mormente, nesse momento, de grave crise financeira.

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